No sofá, ele fazia cafuné nela, enquanto os dois viam TV. Ela adorava quando ele mexia no seu cabelo. Algumas vezes, ela pensava em retribuir, mas simplesmente não conseguia. Ele era carinhoso, meigo e sentimental. Ela era mais fria e pragmática. Não gostava de cozinhar, mas sabia que ele gostava de doces e, por isso, vez por outra fazia uma sobremesa. Os dois se amavam e tinham formas diferentes de demonstrar carinho e afeto.
Estamos o tempo inteiro nos relacionando. Até quando estamos sozinhos, essa dinâmica acontece. Com amigos, vizinhos e também o tempo todo com nós mesmos. Não podemos fugir das relações. Mesmo que em algum lugar dentro da gente, a ideia de permanecer sozinho seja uma certeza, continuaremos a nos relacionar para sempre. Essa não é uma escolha ou opção.
Relações são trocas
Mas o que seria se relacionar? Conversar, passear, sair?
Penso que seria trocar. Estar em movimento com os outros e também com a gente mesmo.
Dar e receber. Aprender e ensinar. Fazer e contemplar. Silenciar e dizer. Avançar e recuar. Inspirar e expirar. Sístole e diástole. Ou seja, viver.
Ao viver nos relacionamos. Ao nos relacionarmos, vivemos. São dois estados indissociáveis.
Se relacionar-se está muito pesado ou difícil, viver também pode estar. A forma como estamos no mundo é a forma como estamos em nossas relações. Observe sua vida.
Como estão as trocas? Os movimentos? O dar e o receber?
Sente-se sobrecarregado, oferecendo aos outros mais do que recebe? Ou é um faminto insaciável, que só quer receber, receber, receber? Há equilíbrio e nutrição em sua vida? Está na dúvida?
Então, faz esse breve exercício. Perceba a sua respiração… Isso, respire normalmente por alguns segundos.
E então, é mais fácil inspirar ou expirar? Em que movimento percebe mais facilidade e amplitude? O movimento da sua respiração é fluido, tranquilo, sem esforço?
A forma como nosso corpo se comporta, a nossa forma de falar, as oportunidades que nos aparecem, tudo isso é reflexo da forma como vivemos e compreendemos os relacionamentos. Se para você é mais fácil expirar, talvez tenha um pouco de dificuldade em receber e aceitar. Ou pode ser que sua doação esteja um pouco descalibrada.
Equilíbrio entre dar e receber
Há uma sabedoria no movimento da troca. É preciso saber para quem dar, o quanto dar, quando dar e com que intenção. O mesmo para o receber. Por que receber, quando receber, o que e de quem.
Da mesma forma que o equilíbrio não é estático, os relacionamentos também não são. Por serem vivos, eles precisam de um ritmo e de uma dose equilibrada entre oferecer e receber para continuarem sendo nutridos.
Ficar do lado de alguém que só quer receber é exaustivo. Além disso, você se sente carente e culpado por nunca atender às suas expectativas. Por outro lado, estar do lado de alguém que precisa dar o tempo todo também pode ser muito sufocante. Quando o outro dá, dá e não permite que retribuamos, nos sentimos sem utilidade, como se não houvesse muito o que fazer ali.
Reflexo de nossas atitudes
Se a nossa forma de estar no mundo é reflexo da forma como nos relacionamos, uma boa forma de entendermos melhor como nos relacionamos, é observar nossos comportamentos e atitudes.
Em sua vida, você acredita no fluir e é confiante? Ou é apegado e tem desejo por controle? Acredita-se ser o dono da verdade e percebe-se superior? Ou é inseguro e tem dificuldade de ver o seu valor? É desconfiado e frequentemente fica na defensiva? Ou sente-se aberto e corajoso? Adora saber dos outros e é curioso pelas histórias alheias? Ou pouca coisa de interessa?
Agora, sobreponha todas essas percepções, crenças, comportamentos e formas por cima de suas relações, inclusive a sua com você. Como se fosse uma espécie de tinta fosforescente que destaca o que é semelhante. E então, onde estão as similaridades? Os padrões?
Expectativas fora da medida
Uma relação saudável é uma relação equilibrada e nutritiva. Equilibrada, pois o movimento é harmônico. As quantidades dadas e recebidas são semelhantes ao longo do tempo, mesmo que haja pausas e que os conteúdos sejam diferentes. Como o casal do início do texto, em que um faz carinho e outro doce. Muitas vezes, queremos receber exatamente o que damos. Mas, como isso poderia ser possível se somos todos diferentes? Além disso, por que receberíamos tanto mais do que já temos? Se nas trocas temos as maiores oportunidades de crescimento, não deveríamos receber também aquilo que nos falta?
Temos a tendência a exigir que o outro, principalmente nosso par amoroso, nos ofereça tudo aquilo que gostamos e acreditamos que precisamos. Desejamos que seja um pacote completo que supra todas as nossas “necessidades”. Que tenha um bom papo, seja carinhoso, parceiro de viagens e prestativo. Mas, quase nunca é assim. O outro tem algumas coisas que gostamos e outras menos boas. Assim como você e eu. Olhar para o outro com amor e simplicidade nos ajuda a compreender quem de fato é o outro e o que realmente podemos esperar daquela troca. Sem expectativas, mas com abertura e alegria.
Conheça o outro e a si mesmo
Se você gosta de viajar, mas seu namorado não goste, não exija isso dele. Mas, também não se furte de ter essas experiências. Viaje com aquela amiga que também adora. Se não é possível bater aqueles altos papos com seus pais, direcione essa sua vontade para conversar com aquele amigo que também gosta de papear. Adoraria ir ao cinema com seu filho, mas ele não gosta, vá com você. Sim, você. Convide a sua própria companhia para te entregar aquilo que você gosta e precisa. Vocês se conhecem tão bem e estão sempre juntos, que não poderia ter uma parceria melhor.
É, por isso, que temos tantos relacionamentos na nossa vida, para que neste mosaico de tantas pessoas, possamos estar sempre trocando, dando o que a gente tem a oferecer e recebendo o que a gente precisa para ser feliz e crescer.