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domingo, 31 de março de 2019

CARTA MANIFESTO: Sobre o fim do Cultura Viva na Praça de Duartina

Caros entusiastas da cultura e da leitura que se darão o trabalho de ler estas palavras até o final,
Resistimos. E eu, Ana Paula Viegas, contando o tempo todo com o apoio integral do meu marido, companheiro e amigo Leonardo Viegas Pereira, resisti enquanto foi possível. É com um sentimento de resignação que comunico o fim do projeto Cultura Viva na Praça. Após mais de três anos de muita persistência, chego à conclusão que a cultura neste país só terá lugar no dia em que houver políticas públicas sérias e de longo prazo que deem a devida importância a essa que deveria ser parte integrante, sempre presente, de toda comunidade, e também se houver interesse legítimo da sociedade em cultura. Vou escolher outras batalhas agora.
Nesses três anos, busquei caminhos, pedi apoios e pensei e repensei em estratégias para que o projeto cumprisse sua missão de incentivar a leitura; depois a cultura; mostrar a importância do brincar; ocupar a praça de nossa cidade; tirar, pelo menos um pouco, as pessoas, e principalmente as crianças, da frente da tela, despertando-as para um convívio social mais enriquecedor.
Mas o meu querer e apenas a minha vontade de fazer isso acontecer não são e não serão suficientes nesse caso. Para o Cultura Viva na Praça, e penso que para qualquer iniciativa desse tipo, avançar e proporcionar mais opções para a cidade, é preciso dinheiro e envolvimento compromissado do poder público e da comunidade e, no momento, essa solução está indisponível. Indisponível e sem previsão de estar disponível, pois, em geral, a cultura e a arte não são colocadas na pauta de nenhum governo porque não são consideradas importantes. São consideradas acessórios, itens supérfluos. O que ocorre não é só uma ausência de política, mas uma política de ausência, como ouvi outro dia do ator Celso Frateschi. Ele diz, e eu também concordo, que o não investimento em cultura, arte e educação é intencional, pois assim o sistema tem cidadãos consumidores não muito inteligentes que, sem muito juízo crítico, aceitam e compram apenas aquilo o que ele quer oferecer. Para grande parte dos prefeitos, governadores, presidente, ministros e grande parte de seus funcionários que ocupam posições de liderança no sistema, cultura, arte e educação não dão lucro. De fato, seus benefícios são muito intangíveis, mas é inegável que eles existem. Vide qualquer índice de países desenvolvidos que investem nessas áreas em relação aos índices do nosso país.
Fazer cultura, fazer arte, é um ofício, uma ocupação, uma atividade que precisa ser valorizada como qualquer outra para o bem e preservação da humanidade. Afinal, não é só o que nos diferencia dos outros animais, mas é parte importante da economia e geração de riqueza de um país. Investir em cultura deveria ser política de Estado (com letra maiúscula mesmo), projeto de nação. A cultura tem que ser pensada de forma estratégica, envolvendo educação e ação social. Mas o que vemos é que não se tem uma visão humanista, não há interesse em investir na nossa gente, no cidadão, em cidadania. E a sociedade informada também não cobra isso; não se mobiliza em peso em torno dessa questão. Isso porque tampouco enxerga a importância e o valor de um projeto como o Cultura Viva na Praça. Muitas pessoas dizem que livros são caros, que não têm dinheiro para comprá-los, mas contamos com mais de mil livros no projeto, e livros bons, e as pessoas em geral simplesmente não os procuravam. Eram poucos os leitores assíduos que estavam, a princípio semanalmente, depois mensalmente, no projeto procurando uma leitura para enriquecer seus conhecimentos. Mas também esses leitores foram escasseando com o tempo, demonstrando um desinteresse claro das pessoas em geral pela leitura. Também é importante lembrar que todos os que estavam na praça para fazer o projeto acontecer eram voluntários e eu coloquei não só meu trabalho voluntário, mas também meu dinheiro para esse projeto continuar acontecendo. Sem ter nada em troca, que fique claro. Nunca ganhei um real com esse projeto, muito pelo contrário. Fazer um projeto acontecer primeiro semanalmente por dois anos e meio, depois quinzenalmente e mensalmente; pensar em atividades para levar à praça por três anos; engajar voluntários; tentar mostrar a importância do projeto a uma sociedade que, em geral, só está interessada em consumir conteúdos rápidos e prontos pelo celular é uma tarefa que demanda muita energia e tempo. E cheguei ao meu limite.
É realmente lamentável, pois continuo acreditando piamente que o caminho para a mudança e melhoria de qualquer nação, povo, comunidade, é pela educação e pela cultura juntas e pelo bom convívio social, de preferência em meio à natureza.
A você que está lendo, quer fazer algo para mudar nossa realidade, tem filhos, sobrinhos, netos, afilhados, alunos, ou simplesmente quer ajudar a dar um futuro melhor para as crianças, a mensagem que eu gostaria de deixar é esta:
- Participe ativamente da educação e da formação dessa criança.
- Não terceirize essa responsabilidade para um dispositivo eletrônico, uma tela.
- Mostre a essa criança a importância de cuidarmos do meio ambiente, pois não existe Planeta B. Não há Plano B. Precisamos cuidar deste em que vivemos. Precisamos plantar árvores, e não cortá-las. Precisamos consumir menos de tudo; plásticos especialmente.
- Esteja atento à alimentação dessa criança, e à sua também, afinal você é um modelo para ela. Diminua o consumo de industrializados ao máximo. Nutra seu corpo com consciência. Tenha uma alimentação baseada em plantas o quanto for possível.
- Brinque com essa criança. De preferência na natureza e com outras pessoas.
- Ensine essa criança a ter respeito por outras pessoas diferentes dela e a ser tolerante.
- Leve essa criança a museus. Exponha essa criança à arte e cultura de todos os tipos. E conversem sobre isso.
- Passeie com essa criança em lugares que a elevem para um bom convívio em sociedade, não apenas em shopping centers, que, em geral, apenas incentivam um consumo desnecessário de bens.
- E leia para essa criança. À noite, de dia, quando e sempre que puder. Todos os dias, crie espaço para a leitura nas suas vidas. Faça disso um hábito.
- Dê a essa criança livros de presente. E esteja presente na vida dessa criança.
Isso tudo é resistir e fazer a diferença.
Seja a mudança que deseja ver no mundo. Cada ser humano pode e deve ajudar a tornar esse planeta um lugar melhor.
Ana Paula Viegas
P.S. 1: A quem estiver se perguntando, as contribuições feitas à nossa última vaquinha já foram devolvidas aos que contribuíram. Com relação aos livros, eles ficarão guardados em local protegido até que eu arrume um novo e bom lar para todos eles, onde possam cumprir seu papel.
P.S. 2: Se ficou com algum livro do projeto e pretende devolver, mande uma mensagem privada para mim (Ana Paula) para combinarmos a entrega.
P.S. 3: Uma pesquisa (e alerta) atual sobre os hábitos de leitura das crianças e adolescentes brasileiros para quem estiver interessado:https://goo.gl/SFQXxn