Páginas

quarta-feira, 31 de janeiro de 2018

Sobre corporações

Por Gustavo Gitti

As corporações nos dominam exatamente onde não estamos sabendo nos organizar em comunidade:
Não nos oferecemos sentido e apoio, então é exatamente disso que se alimenta a indústria dos psicofármacos.
Não temos muitos pequenos ídolos e referenciais dentro das micro redes e comunidades, então nos fascinamos com celebridades mantidas por estruturas gigantescas com foco em publicidade e dinheiro. Ao divulgar uma celebridade, estamos divulgando uma corporação, sendo que poderíamos nos dedicar a admirar e apoiar os seres ao nosso redor que ainda são só seres comuns sem uma indústria por trás.
Não usamos torrent, então pagamos para uma empresa gigante de streaming.
Não incluímos equilíbrio emocional nas pequenas escolas, então já estão surgindo grandes empresas vendendo isso como um pacote pronto.
Não fazemos pão ou compramos do vizinho que faz, então as grandes redes sem face prosperam.
Não valorizamos as grandes tradições de sabedoria que seguem há pelo menos dois milênios com independência das corporações e até mesmo dos governos, então buscamos sabedoria em programas de coaching com ™.
Não trocamos roupas o suficiente, então a indústria da moda segue com trabalho escravo e produção desnecessária.
Não apoiamos o suficiente os pequenos veículos de jornalismo (como a Agência Pública), então ainda nos distraímos com o que grandes jornais e portais nos arremessam todo dia.
Não valorizamos nossa própria atenção, não criamos espaços de conversa e colaboração, então deixamos que o espaço em que isso aconteça seja uma sala apertada no prédio virtual dessa corporação: "Mark, vou conversar aqui e você pode usar tudo o que eu disser e minha própria face para vender anúncios para infinitas empresas e lucrar infinitamente usando minha atenção, minhas conversas, minha vida. É o preço de chegar nas pessoas, pois elas todas estão aqui também e eu não sei direito como me comunicar com elas para que a gente crie uma outra sala lá na praça, sem anúncios."
Trocamos pouco dinheiro entre nós (contribuindo, apoiando a vida de cada um), então recebemos salários de grandes corporações e gastamos esses salários em outras grandes corporações — colocamos nossas habilidades todas a serviço do interesse de 0,1% da população, sendo que seríamos mais felizes se colocássemos nossas habilidades a serviço de mais gente (mas para isso precisamos nos organizar e nos bancar). O dinheiro entra e sai da comunidade, nunca fica e é reinvestido na comunidade.
Claro, algum nível de corporação é útil, mas a coisa está desregulada. Alguém poderia dizer: "Sem tantas corporações, a humanidade não produziria 800 novos filmes por ano." Mas precisamos mesmo disso tudo? Você não trocaria 800 filmes de entretenimento vindos de Hollywood por um só documentário feito na sua comunidade? Boa parte desse crescimento desequilibrado vem de deixarmos as corporações inflarem para muito além da escala da experiência humana, com referenciais que não mais dizem respeito à vida de cada ser.